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No Brasil atualmente, há grandes debates em relação aos direitos previdenciários dos Transgêneros, destacando que a previdência social é um mecanismo de proteção social aos indivíduos, um dos direitos constitucionais através do qual proporciona dignidade humana a quem necessita e que foi consolidada com a constituinte de 1988.[1]

Destarte, a constituição da República foi promulgada com o objetivo de transformar o Estado em um ente soberano, mas com condições limitadas a fim de respeitar a dignidade da pessoa humana, criando os direitos e deveres dos cidadãos e também os do Estado democrático de Direito.

Embora, com todos os avanços jurídicos alcançados até então, por exemplo, a mudança de prenome e a cirurgia de transgenitação, sendo escolha do próprio individuo, ainda é omisso quanto aos direitos previdenciários, tais direitos são condizentes com o maior princípio constitucional, a dignidade da pessoa humana.

A Carta Magna buscou de alguma forma contemplar os direitos, através da igualdade de todos os cidadãos independentemente de suas características e especificidades.

A conquista histórica da mudança de prenome e do sexo, ainda é uma questão bastante burocrática, sendo que muitas vezes os transexuais em decorrência da demora pela legalização, buscam por via judicial mais agilidade no processo de mudança, o que, em tese, poderia garantir o direito previdenciário desses indivíduos conforme o sexo em sua documentação.[2]

Além do princípio da dignidade da pessoa humana, há que se falar no Princípio norteador do direito previdenciário, aquele explanado no artigo 3º da Constituição da República, o princípio da universalidade, que entre outros objetivos fundamentais, está à erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem estar a todos, não há a menor dúvida de que a seguridade social foi criada como uma mão forte do Estado para proporcionar o acesso a saúde, previdência e assistência social.[3]

Os demais princípios que põe limite à universalidade, por exemplo, o princípio da seletividade, distributividade e equidade, acaba por atenuar os efeitos do princípio da universalidade, pois estes se caracterizam por permitir uma seleção redutora, com autorização constitucional. Porém tudo isso é para garantir que os benefícios possam ser proporcionados para os que mais precisam, sem exceção.

Há formas de fazer à distribuição dando características as pessoas que irão ser beneficiadas. A equidade é para analisar cada caso conforme sua necessidade, ou seja, tratar os iguais de forma igual e os desiguais de acordo com suas desigualdades.[4]

Verifiquemos que a previdência é facilmente notada como um direito fundamental, e que não podemos falar em dignidade humana sem que haja um sistema previdenciário forte.[5]

Isso só é possível porque a previdência social é o um dos três subsistemas da seguridade que dá ênfase na obrigatoriedade contributiva. Esta forma contributiva é um meio de sustentação e manutenção de todo o sistema da seguridade social. [6]

Se fosse facultativa a filiação e contribuição ao regime de previdência social fatalmente seria reduzido, devido a miopia social, ou seja, a sociedade no geral só ver o hoje, deixando de se preocupar com  o futuro, o que por consequência oneraria ainda mais o Estado. Pois no atual Estado democrático o governo tem obrigação de mapear os riscos, com o objetivo de criar uma rede de proteção para amparar os beneficiários que dele necessite.[7]

1.1 Os Transgêneros e a filiação à Previdência Social

O modelo intervencionista do Estado atual nas questões sociais versa sobre a obrigatoriedade de filiação dos trabalhadores a fim de que façam parte das políticas de inclusão social, está ligada diretamente a dignidade da pessoa humana, daí a importância de relacionar os direitos de previdência aos trabalhadores transexuais de acordo com sua opção sexual.[8]

Os motivos que levaram o Estado a ter uma preocupação relevante em relação à seguridade social, foram de que, a todos deve ser garantida a proteção mínima possível nas relações de trabalho, com finalidade no sustento temporário ou permanente dessas minorias já excluídas do meio social, por essa razão quando lhes é negado, tais direitos encontram-se respaldados nos direitos fundamentais, conforme ressaltado pelo Ministro Alexandre de Moraes;[9]

Direitos sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1.°, IV, da Constituição Federal.  (MORAES, 2004, p. 154).[10]

Em relação à obrigatoriedade de filiação e contribuição, não há que se falar em discriminação, pois a todos é imposta a participação ao regime de previdência para que sejam garantidos os recursos para cumprimento da política social a que se destina.[11]

1.2 Direito dos Transgêneros de receber benefícios compatíveis com o gênero com o qual se identificam

Vale salientar que para o estudo de contribuições do RPGS, os benefícios constantes neste regime de previdência, só quem recebe são aqueles que são filiados no Instituto nacional do Seguro Social, que possua inscrição e efetua o pagamento de mensalidade correspondente ao valor da aposentadoria desejada. Isso dar garantias de segurado e filiação ao contribuinte e preserva seus direitos, inclusive caso não contribua por determinado período, conforme base legal do artigo 15[12] da Lei 8.213/91.[13]

Caso o segurado tenha perdido a “qualidade de Segurado”, porém preencha os requisitos de concessão da aposentadoria de quando era possuidor daquela qualidade, também terá direito ao beneficio conforme previsto no artigo 102 §1º[14], da Lei 8.213/91.

Neste contexto, em relação as pessoas transexuais a celeuma está principalmente em relação a aposentadoria por idade que há uma diferença na Lei em cinco anos, ou seja, homem se aposenta com 65 anos e mulher com 60 anos, na zona rural é diminuído este período em cinco anos para ambos, há ainda problemas com as demais aposentadorias, por exemplo, a por tempo de serviço ou  tempo de contribuição, que  após a Emenda Constitucional (EC) Nº 20/98, passou a se chamar apenas de aposentadoria por tempo de contribuição.[15]

Este lapso temporal em questão interfere diretamente nas pessoas transexuais, pelo fato de a jurisprudência não ter pacificado entendimento quanto à aposentadoria após mudança de prenome e redesignação, razão pela qual os transexuais precisam de autorização legal e respaldo social, para garantia dos seus direitos frente à previdência social.[16]

Embora tenha na Constituição que “todos são iguais em direitos e obrigações” expressos no artigo 5º, as normas infraconstitucionais persistem em marcar a desigualdade de gênero, pois apesar de constar na carta maior, é dificultoso torná-lo mais efetivo quando envolve a pessoas transexuais.[17]

CONCLUSÃO

Para além da individualidade do gênero que se reconhece, seja cirurgicamente modificado ou não, o Estado deve garantir os mesmos benefícios concedidos tanto àqueles que permaneceram natural em seu gênero, sexo ou orientação sexual, como os que por casualidade tenham alterado.

É de relevante importância preservar um campo de raciocínio sobre este assunto, a fim de possibilitar uma mudança que permita não só a consumação dos direitos, mas também a alcançabilidade aos serviços de assistência a pacientes transexuais, amparando-os na sua integralidade, sem estar fixados apenas na exigência institucional de comprovação do diagnóstico para outorgar ou não, este ou aquele direito.

Nota-se a carência de políticas públicas inclusão social e a intervenção do Estado mais efetivo em grupos específicos da sociedade, com objetivo de garantir proteção, segurança jurídica e igualdade nos direitos, em especial para os transexuais, grupo abordado neste pequeno artigo.

Dito isto, uma lição precisa permanecer: concluir um trabalho não significa encerrar o debate. Mas sim propor o início de um novo momento: absorver ideias, criticá-las e, assim, recomeçar, trançando caminhos novos e reconstruindo aqueles que porventura precisarem para fortalecer o Estado Democrático de Direito, mediante a tentativa de efetivação de liberdade, dignidade, autonomia e demais pilares que proporcionem a felicidade.

BIBLIOGRAFIA

Bragança, Kerlly Huback. Manual de Direito Previdenciário / Kerlly Huback Bragança. – 8.a ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2012.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias/Maria Berenice dias – 9 ed. rev,. Atual e ampl. De acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens):Lei 12.311/2011(direitos de visitas dos avós).- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva: o preconceito & a justiça/ Maria Berenice Dias – 4. Ed. Ver. E atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

Direitos sociais, seguridade e previdência social [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI Coordenadores: Eder Dion De Paula Costa, José Ricardo Caetano Costa – Florianópolis: CONPEDI, 2017

FIGUEIREDO, Dayse Gracielle Soares de Araújo. Direito Previdenciário Aplicado aos Transexuais: a questão da aposentadoria. 2017. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito Milton Campos, Nova Lima, 2017. P 75

Moraes, Alexandre de, Direito constitucional / Alexandre de Moraes. – 13. ed. – São Paulo: Atlas, 2003. p 154.

Siqueira, Dirceu Pereira.  O transgênero e o direito previdenciário: omissão legislativa e insegurança jurídica no acesso aos benefícios/ Danilo Henrique Nunes. Revista Juris Poiesis – Rio de Janeiro. Vol.21-n°25, 2018, pg.50-67 . ISSN 2448-0517 Rio de Janeiro, 29 de abril de 2018

[1] Direitos sociais, seguridade e previdência social [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI Coordenadores: Eder Dion De Paula Costa, José Ricardo Caetano Costa – Florianópolis: CONPEDI, 2017

[2]Siqueira, Dirceu Pereira.  O transgênero e o direito previdenciário: omissão legislativa e insegurança jurídica no acesso aos benefícios/ Danilo Henrique Nunes. Revista Juris Poiesis – Rio de Janeiro. Vol.21-n°25, 2018, pg.50-67 . ISSN 2448-0517 Rio de Janeiro, 29 de abril de 2018

[3] Bragança, Kerlly Huback. Manual de Direito Previdenciário / Kerlly Huback Bragança. – 8.a ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2012.

[4] Ibidem, p.12.

[5] DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva: o preconceito & a justiça/ Maria Berenice Dias – 4. Ed. Ver. E atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 395-398

[6] Ibidem, p 395-398

[7] Ibidem, p 395-398

[8] FIGUEIREDO, Dayse Gracielle Soares de Araújo. Direito Previdenciário Aplicado aos Transexuais: a questão da aposentadoria. 2017. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito Milton Campos, Nova Lima, 2017. P 75

[9] Ibidem, p. 75.

[10] Moraes, Alexandre de,  Direito constitucional / Alexandre de Moraes. – 13. ed. – São Paulo: Atlas, 2003. p 154

[11] FIGUEIREDO, Dayse Gracielle Soares de Araújo. Direito Previdenciário Aplicado aos Transexuais: a questão da aposentadoria. 2017. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito Milton Campos, Nova Lima, 2017. p 75-76

[12] Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições: – sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício; II – até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração; III – até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória; IV – até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso; – até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar; VI – até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo. § 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. § 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social. § 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social. § 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.

[13] FIGUEIREDO, Dayse Gracielle Soares de Araújo. Direito Previdenciário Aplicado aos Transexuais: a questão da aposentadoria. 2017. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito Milton Campos, Nova Lima, 2017.

[14] Art. 102. A perda da qualidade de segurado importa em caducidade dos direitos inerentes a essa qualidade. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997). § 1º A perda da qualidade de segurado não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que estes requisitos foram atendidos. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997)

[15] FIGUEIREDO, Dayse Gracielle Soares de Araújo. Direito Previdenciário Aplicado aos Transexuais: a questão da aposentadoria. 2017. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito Milton Campos, Nova Lima, 2017. p 75-76

[16] Ibidem, p.75

[17] Ibidem, p.75